sábado, 21 de janeiro de 2012

Ataque aos Combustíveis

Esta semana foi marcada por mais aumentos dos preços dos combustíveis, tal como já tinha sido a semana anterior, aumentos estes amplamente divulgados na comunicação social e discutidos na opinião publica. Estes aumentos provocaram uma subida do preço médio do gasóleo rodoviário de 0,010€ e de 0,004€ no gasóleo rodoviário e na gasolina 95 respectivamente, segundo a Direcção Geral de Energia e Geologia.

A situação económica que Portugal atravessa neste período recessivo, faz com que este tipo de aumentos em bens considerados de primeira linha para uma grande maioria da população tenham um grande impacto na economia familiar. Ir aos bolsos dos Portugueses de uma maneira tão clara e divulgada como são os combustíveis, cria no senso comum um sentimento de revolta para com as empresas petrolíferas, principalmente para com a empresa mais badalada nestas situações, a Portuguesa Galp.

Em primeiro lugar será necessário começar pela estrutura dos preços dos combustíveis e como ele se forma. Um dos principais factores de variação dos preços dos combustíveis é a cotação do petróleo nos mercados internacionais. O crude que nos serve de referência na Europa é o Brent, petróleo proveniente do mar do Norte e negociado em Londres. Outro dos factores que tem um elevado peso na formação dos preços dos combustíveis é o par cambial EUR/USD, porque os preços do petróleo nos mercados internacionais são negociados em dólares e os combustíveis nacionais são vendidos em euros.

Para além destas duas componentes variáveis da formação do preço dos combustíveis existem e ainda as parcelas não variáveis (ou com menor variação), nomeadamente todos os custos necessários desde a extracção do petróleo, passando pela refinação, transformação, transporte e margens dos operadores, terminando na componente fixa que tem um maior peso, os impostos. A formação do preço dos combustíveis têm em conta todos os factores enunciados e ainda outros factores de natureza algo complexa que dependem dos próprios mercados internacionais de combustíveis, mas que têm muito pouca expressão no preço final dos combustíveis vendidos aos consumidores.

Uma grande parte das notícias que surgem na comunicação social sobre os combustíveis fazem uma alusão aos preços dos combustíveis na Europa, à média dos preços dos combustíveis na Europa e por uma questão de proximidade aos preços dos combustíveis em Espanha. Das expressões que mais se ouvem estão: “Portugal está entre os mais caros das Europa” ou que “Espanha tem os combustíveis bastante mais baratos que em Portugal”, expressões estas que podem ser explicadas apenas através da fiscalidade.

Em Portugal sobre o preço do combustível é aplicado o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) e sobre estes o IVA (23%). Considerando o preço médio da gasolina 95 e do gasóleo rodoviário em Portugal Continental, no dia 16 de Janeiro, de 1,603€ e 1,461€ (fonte: Boletim da Comissão Europeia), então nestes preços o IVA representa 0,369€ e 0,336€ respectivamente e o ISP representa 0,583€ e 0,364€. Estes valores indicam que os impostos no preço da gasolina representam 57,7% do preço total e no gasóleo representam 47,9%, o que quer dizer que sem impostos, teoricamente, a gasolina 95 custaria 0,651€ e o gasóleo rodoviário 0,761€.

Em Espanha, para o mesmo dia, a gasolina 95 custava em média 1,367€ e o gasóleo rodoviário 1,360€, o que representa menos 14,7% e 6,9% em relação aos preços praticados em Portugal. Se atendermos também à diferença de fiscalidade entre os dois países, onde em Espanha o ISP para a gasolina 95 tem um valor de 0,443€ e para o gasóleo rodoviário o valor de 0,346€, então temos que o peso dos impostos em Espanha é de 49,5% para a gasolina 95 e de 43,5% para o gasóleo rodoviário. Os valores dos combustíveis sem impostos em Espanha são assim mais altos em 2,6 cêntimos de euro para a gasolina 95 e 0,8 cêntimos de euro para o gasóleo rodoviário.

Na União Europeia as taxas aplicadas sobre os combustíveis foram rectificadas em grande parte dos países no ano de 2011, como por exemplo em França, Itália e Inglaterra. O ISP médio entre os países da União Europeia é de 0,521€ para a gasolina 95 e 0,397€ para o gasóleo rodoviário, enquanto que os preços finais de venda ao consumidor na União Europeia são de 1,560€ para a gasolina 95 e de 1,484€ para o gasóleo rodoviário. Em comparação com Portugal o ISP da gasolina 95 é mais elevado em terras nacionais 11,9% que a média da EU enquanto que o ISP do gasóleo rodoviário é mais baixo 8,3%, mas no que diz respeito ao IVA aplicado sobre os combustíveis enquanto que o praticado em território nacional é de 23% a média da EU está nos 20,8%.

A grande diferença de preços entre Portugal e os restantes países da zona Euro encontra-se nos impostos praticados e no caso de Portugal, apesar do ISP não aumentar desde 2007, os impostos entre os anos de 2004 e 2008 aumentaram a um ritmo superior ao da União Europeia a 15. Para o caso da gasolina o aumento do ISP foi de 11% em Portugal face a um aumento de 3% na EU, enquanto que no gasóleo o aumento em Portugal foi de 18% face a um aumento na UE de 4%. Este aumento foi realizado numa altura em que o preço líquido dos combustíveis aumentou bastante na EU com a escalada do preço do petróleo nos mercados internacionais. Em relação aos valores líquidos, a gasolina em Portugal aumentou 71% e o gasóleo aumentou 129%, nesse mesmo período, enquanto que na UE os aumentos foram de 78% e 132%. Os preços dos combustíveis líquidos têm aumentado em linha com os preços praticados na UE mas quanto aos impostos, esses aumentos tem sido superiores em Portugal, com excepção dos últimos 4 anos, onde apenas foi alterado o IVA.


Neste momento ainda estão muitos dos leitores a questionarem “…então mas porque é que quando o petróleo atingiu os 150 dólares os combustíveis estavam mais baratos em relação aos dias de hoje?”. Esta questão tem algumas incorrecções as quais passo a explicar.
Para fazer a correspondência entre o preço do Brent nos mercados internacionais e os preços dos combustíveis na bomba é necessário ter em conta que o petróleo negociado hoje não é o combustível das bombas amanhã. Desde o momento em que o petróleo é negociado até que este esteja na bomba existe um período entre uma a duas semanas, o que faz com que para analisar o preço dos combustíveis de hoje necessitamos de recorrer aos preços dos mercados internacionais de à uma ou duas semanas atrás. Neste caso vamos determinar os valores com o delay de 2 semanas.

O Brent no dia 14 de Julho de 2008 atingiu o seu máximo de 153,06 dólares por barril. Nesse mesmo dia o EUR/USD negociava nos 1,596, o que quer dizer que em euros o Brent teve o seu máximo de 95,90€. Entre os dias 3 de Janeiro de 2012 e 8 de Janeiro de 2012 o Brent registou um máximo de 114,04 dólares por barril. No mesmo período o EUR/USD registou valores máximos de 1,307, o que representa que o Brent foi negociado a 87,25€. Corrigidos os valores para euros, temos que o preço do Brent do início de 2012 encontra-se 9% abaixo do máximo registado em 2008.

No dia 18 de Julho de 2008, o preço médio da gasolina 95 em Portugal estava nos 1,523€ e o gasóleo rodoviário nos 1,426€. Em termos líquidos de impostos e tendo em conta que o IVA nessa altura era de 21%, a gasolina 95 estava com um preço de 0,620€ e o gasóleo rodoviário de 0,763€. Em relação aos preços de 16 de Janeiro de 2012, mostrados anteriormente, os preços actualmente e face aos máximos de 2008 encontram-se com variações de +0,03€ (5%) no caso da gasolina 95 e -0,002€ (-0,3%) no caso do gasóleo rodoviário.

Preços Brent

Apesar dos preços líquidos do gasóleo rodoviário estarem sensivelmente iguais aos correspondentes aos máximos de 2008, a gasolina 95 encontra-se 5% mais cara e o Brent encontra-se a negociar 9% abaixo dos valores de 2008, em euros. Estes dados mostram que se os preços dos combustíveis dependessem apenas da variação do petróleo nos mercados internacionais, face aos máximos de 2008, o gasóleo rodoviário deveria de estar 6,9 cêntimos mais barato e a gasolina 95 9,1 cêntimos mais barata.

Comparar produtos refinados como a gasolina ou o gasóleo com a matéria-prima bruta que é o Brent, trata-se apenas de uma aproximação com alguns erros. Os preços dos produtos refinados tem uma boa correlação com o preço da matéria-prima, mas esta está um pouco longe dos 100% porque existem um grande número de componente do preço final dos refinados, tal como foi explicado inicialmente, que não acompanham o preço da matéria-prima. Estes custos, são geralmente afectados pela inflação e no caso de Portugal a inflação entre os máximos de 2008 e o final de 2011 foi de 5,65%.

Se descontarmos o valor da inflação ao preço dos combustíveis de 2012, como aproximação, então temos que o gasóleo deveria de estar 2,3 cêntimos mais barato e a gasolina 5,4 cêntimos. Estes valores mostram que os combustíveis hoje em dia estão mais caros em valor líquido corrigido, face aos máximos de 2008, mas essa diferença não é tão significativa quanto a maioria das pessoas julga.

As recentes subidas dos preços dos combustíveis são totalmente explicadas pela queda do par cambial EUR/USD, o que levou a um aumento dos custos sobre a maioria da população Portuguesa. Os combustíveis estão caros não só em Portugal como em toda a União Europeia, mas se tivermos em conta os rendimentos e o nível de vida médio da população Portuguesa, os custos suportados pela população nacional só são superados por países como a Roménia, Hungria, Republica Checa e Polonia.

Os combustíveis estão com preços elevados e representam uma fatia cada vez maior do orçamento familiar, mas antes de começar o ataque às gasolineiras é preciso uma análise dos dados para saber de onde vêm os aumentos e quem são os culpados pelos altos preços.


Fontes:
http://ec.europa.eu/energy
http://www.prorealtime.com/
http://www.negocios.pt
http://www.dgge.pt

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